A moda é uma sistema de mulheres. São elas que compõem a maior parte da cadeia: no Brasil, 75% da força de trabalho é feminina, já no globo esse número cresce para 80%.
São agricultoras, químicas, costureiras, modelistas, tecelãs, vendedoras, gerentes, modelos. Porém, quando falamos em cargos de diretoria, elas ocupam uma porcentagem desproporcional: 14% é o número de líderes nas 50 maiores marcas de moda do mundo. Nessa somativa, o trabalho análogo ao escravo ainda é uma realidade cruel na cadeia, que acomete a base da pirâmide de trabalho: pesquisas apontam que as peças de vestuário estão entre os itens em maior risco de serem produzidos por meio da escravidão moderna. Ainda, o abuso sexual, a discriminação e a violência de gênero contra mulheres são endêmicos na indústria global de vestuário. As fontes são do Global Slavery Index, que encontrou 40,3 milhões de pessoas em situação de escravidão moderna em 2016, das quais 71% são mulheres.
Essa exclusão, exploração e falta de visibilidade é uma das consequências do machismo e opressões de gênero que inferem das dinâmicas da moda, e consequentemente na vida das mulheres que são sua maioria.
No último post, falamos sobre impactos da indústria da moda e daí a urgência em torná-la integralmente sustentável. A sustentabilidade, enquanto proposta revolucionária, também é sobre justiça ambiental e social, emancipação e igualdade. Ou seja, para sustentabilizar a moda precisamos, necessariamente, livrar as mulheres das mazelas que as cercam – e a moda pode ser uma ferramenta pra isso.
Mas como?
Sendo a moda não apenas uma indústria que produz e comercializa, mas também um sistema que reúne e cria signos e símbolos e transita no nosso imaginário, seu poder vai muito além do que imaginamos.
A exploração e exclusão podem ser uma realidade, mas não a única. Existem formas de construir narrativas de empoderamento para mulheres por meio da moda. São conjuntos de ações, discursos e práticas que possibilitam o acesso à condições dignas, justas e agradáveis de trabalho, assim como à educação, saúde, lazer, cultura, e demais ações que contemplam o direito de ser humano.
Um exemplo é a Catarina Mina, uma marca de bolsas feitas a mão por meio do trabalho de artesãs e crocheteiras cearenses que possibilita um trabalho justo e honra os saberes manuais. A empresa começou com 4 mulheres e hoje já somam 70, todas envolvidas em diferentes etapas. Junto a isso o projeto #umaconversasincera, uma abertura de todos os custos de produção de cada uma das peças, faz parte da missão da marca de valorizar a artesania, as histórias que se formam através dela e o trabalho local.
“#umaconversasincera é quando: você sabe quem faz sua bolsa, fio a fio dos charms, quem passa a corrente, costura o forro. Você sabe quem desenha, inventa, fotografa, escreve, manda bolsa pra Camila, Nicole, Bia, Thay […] Você sabe quem lá em Itaitinga junta gente ao redor e ensina a arte de enlinhar, de entrelaçar, o bordado, a tapeçaria, a costura manual. Quem do Morro Santa Terezinha vê o movimento de casa, enquanto faz a receita no caderno do crochê […] Você sabe tudo sem perguntar a ninguém, temos os custos abertos.”
Na Desapegue, além de várias mulheres a frente da empresa, também são várias as marcas geridas por elas: Dazz, Concha e Folha, I Love Style, Menos 1 Lixo e outras. A Wasabi, de vestuário, tem uma preocupação em produzir roupas que sejam pontes para as mulheres se conectarem consigo mesmas e elevarem a autoestima através do vestir: “nosso objetivo é ajudar as mulheres a amplificarem suas personalidades.”
É preciso falar sobre
Quando fomentamos o debate de gênero na moda contribuímos para a criação de uma nova consciência sobre o tema e abrimos caminho para difusão de atitudes, a nível macro e micro, de mudanças nessas realidades.
A expansão do nosso olhar também é necessária: mais que criar medidas paliativas, precisamos entender a origem do problema para atuarmos também nele. Questionar onde estão as mulheres na moda, de que forma trabalham, falam e participam é também questionar o modelo de negócios sustentado e o sistema socioeconômico em que vivemos.
Empoderamento feminino na moda é sobre sustentabilidade, é sobre criar espaços não só de voz, mas de escuta e acolhimento. É sobre rede e fortalecimento. Quando incentivamos esse tipo de prática e negócio, seja por meio da nossa compra ou apoio, estamos contribuindo para que mulheres sejam respeitadas e valorizadas.
Por aqui, já começamos. Vamos juntas?
por Bárbara Poerner – UN Moda Sustentável
// Desapegue + UN Moda Sustentável : esse texto faz parte de uma série de matérias sobre moda e sustentabilidade, produzidos em parceria pela agência UN Moda Sustentável para a Desapegue. Acompanhe: XXX //